sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Impressões 12/10/08

Confesso que, naquele domingo, senti um certo frio na barriga: com o Marcelo precisando resolver problemas pessoais e o Eduardo participando de uma filmagem em Brasília, tive que dar o pontapé inicial sozinho. Mas, além da presença incentivadora de Francisco Tornaghi, tive a companhia de gente como Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Mário Quintana e Augusto dos Anjos para me ajudar nesta tarefa. Pouco a pouco, os poetas vivos também foram dando o ar de sua graça; Lirozinha recitou vários poemas românticos, com destaque para “Veneno”. João João falou sobre o que esperava de um médico. Louis Alien, um dos mais entusiasmados, recitou “120 decibéis” (um dos meus favoritos, já publicado neste blog), "O jardineiro fiel", um lindo poema que fala sobre o sentido (ou a falta de sentido) da poesia e ainda ajudou a organizar o tradicional “altinho de poemas curtos”. Lucky Luciano nos brindou com o “Poema para evocar super-poderes”. E tivemos até a presença de uma senhora que recitou Geraldo Carneiro. Conseguimos também atrair a atenção de alguns passantes e incentivá-los a se apoderar do microfone, como um senhor que recitou poemas sobre o Nordeste e uma índia peruana que nos mostrou canções de sua terra.

Foi uma grande alegria para todos nós quando Eduardo Tornaghi finalmente apareceu na Pedra. Recitou “Imitação das águas” (João Cabral de Melo Neto), alguns poemas de Bráulio Tavares e WIT, de sua própria lavra. Além disso, em homenagem à Parada GLBT, recitou um poema de Glauco Mattoso e fez uma versão “gay” para o poema “Boneco”, de seu pai Newton Tornaghi.
A roda de poesia continuou ainda por um bom tempo, e a noite foi fechada com o poema “C’est fini”, de Louis Alien.

Poema Para Evocar Super-poderes
(Lucky Luciano)

Um super-homem que não acredita
Em ser lesado pela Kriptonita
Meu sopro pulmonar rarefeito comprimido
Arremessou a Lua torta até o mundo proibido
Tirei o planeta Terra de seu eixo
Acertei o Deus da Guerra com um direto bem no queixo

C’est Fini
(Louis Alien)
...
Ponto Final
No começo de Tudo
Desapegado arreio
carcomido esteio
rimando rimas
sem nenhum aprumo
continuo sem rumo
não sei por onde começar
não saco onde vai terminar
c’est fini mon ami? *


* tradução: acabou, meu amigo?


Wit
(Eduardo Tornaghi)

As coisas não são o que vemos
As coisas nem são o que são
Toda certeza que temos
É vaidade
Qualidade do que é vão


Imitação das águas
(João Cabral de Melo Neto)

De flanco sobre o lençol,
paisagem já tão marinha,
a uma onda deitada,
na praia, te parecias.

Uma onda que parava
ou melhor: que se continha;
que contivesse um momento
seu rumor de folhas líquidas.

Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.

Uma onda que parava
ao dobrar-se, interrompida,
que imóvel se interrompesse
no alto de sua crista

e se fizesse montanha
(por horizontal e fixa),
mas que ao se fazer montanha
continuasse água ainda.

Uma onda que guardasse
na paria cama, finita,
a natureza sem fim
do mar de que participa,

e em sua imobilidade,
que precária se adivinha,
o dom de se derramar
que as águas faz femininas

mais o clima de águas fundas,
a intimidade sombria
e certo abraçar completo
que dos líquidos copias.


SONETO 336 GAÚCHO
(Glauco Mattoso)


Estado muito próprio em seu costume,
o mais meridional ostenta as botas,
churrasco, chimarrão, e tu, que arrotas
machismo, tens razão: temos ciúme.

A chique distinção tudo resume:
gaúchos de bombachas são janotas.
Desagravando a fama de Pelotas,
não há neste país quem mais se aprume.

Se minha amada fosse minha prenda,
eu prenderia a china como gado:
comprava, aproveitava e punha a venda.

Mas sou sozinho, cego, alucinado:
do Pampa, bem pimpão numa fazenda
me vejo, e por vaqueiros sou montado.

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