sábado, 20 de setembro de 2008

Quem trabalha ao ar livre, está sempre sujeito aos humores no clima. Desta vez, São Pedro não aliviou a nossa barra e o que eram nuvens ameaçadoras se transformaram em chuva de verdade.

Mas poeta que é poeta diz seus versos até debaixo d’água. Enquanto o tempo permitiu, eu, Eduardo Tornaghi, Marcelo Mourão e Priscila Basílio jogamos nossa pelada na Pedra do Leme. Para conquistar as crianças que estavam no quoisque, Eduardo leu a historinha A libélula abilolada, de Bia Hetzel. Aproveitando o jeitão de encontro no bar, eu recitei Boemia além-vida. Um pouco depois, apareceu a poetisa Tainara e, devido à chuva, resolvemos transferir o mando de campo para o Sindicato do Chopp.

Enquanto rachávamos uma pizza de mussarela, não resisti a dizer meu poema Receita para Pizzas. Marcelo, nosso homenageado de domingo, disse inúmeros de seus poemas, como Muito mais que o maior e Esgoto destampado (já publicado anteriormente no blog). Mas, sem dúvida, o momento que mais surpreendeu a todos foi quando, de gorro e óculos escuros, ele fez uma encenação marginal da letra de música Via Final , de sua autoria. Tainara também sentiu-se bastante à vontade e mostrou-nos vários de seus poemas, entre eles Menino anjo. E, como de praxe, convidamos um autor já falecido, que desta vez foi a poetisa Florbela Espanca. Houve também conversas sobre temas dos mais variados, como a necessidade ou não de se obedecer às regras relativas ao ritmo no soneto contemporâneo ou a qualidade da programação exibida atualmente na televisão. Em resumo, o sarau do último domingo assumiu um ar totalmente intimista e informal, como um bate-papo entre amigos e amantes da literatura.

Fica então o aviso: faça chuva ou faça sol, estaremos todo domingo espalhando versos pelo ar. E, quando o clima não nos permitir ficar na Pedra do Leme, basta nos procurar em algum restaurante nas proximidades para matar sua fome de poesia.

Muito Mais que o Maior

Marcelo Mourão

herói de mim mesmo
vilão também por vezes
fechado em meu umbigo
engordando meu ego
em protegido abrigo

não coleciono regras
nem tampouco amigos
melhor viver desse jeito
do que no meio de muitos
e ainda assim ser sozinho

olho meu coração
a cidade, o mundo
vejo as pessoas
de tudo faço resumo
e quase sempre
me decepciono com tudo.


Via Final

Marcelo Mourão

Rasgando o silêncio da noite,
um cheiro de morte se espalha
São apenas pedaços de sonhos
jogados no meio da estrada
Só mais uma corrida da morte
onde quase tudo é nada

Vi um anjo sem cor
Frio onde era calor
Toda forma de dor

Quantas almas jazem aqui
por todos os erros do acaso ?
A terra sorve o sangue da dor
que banha o chão da cidade
Tudo aquilo que agora revolta
depois volta à normalidade.

Vi um anjo sem cor
Frio onde era calor
Toda forma de dor


Florbela Espanca

o meu talento! de que me tem servido? não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequena esmola do destino. até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que não me tenha feito mal. talvez culpa minha,talvez...o meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito,uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada,uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!"


Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

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