quinta-feira, 10 de julho de 2008

Infestação de ratos!

Soltem os gatos! Preparem as ratoeiras! Chamem o controle de pestes! Protejam seus queijos, porque este domingo os Ratos Di Versos invadem o Leme!

O coletivo poético Ratos Di Versos foi criado numa quarta-feira, 17 de maio de 2006, no Beco do Rato, Lapa. Após um ano e meio realizando o evento quinzenalmente naquele beco, mudou-se para o Beco das Carmelitas nº 9 (Bar do Jô), onde se mantém até hoje realizando um sarau quinta sim, quinta não. Possuem o blog http://ratosdiversos.blogspot.com/
Dudu Pererê, Daniel Soares, Carluxo, Dalberto Gomes, Juliana Hollanda e Marcelo Nietzsche são os ratos mais antigos e também os que respondem (ou perguntam?) pelos Ratos Di Versos.

Espírito Negro

Eu sou aquele
Quer viajou em porões de navios
Arrancado de uma pátria, de uma tribo, um país.
Eu sou aquele
Que jogado em terra estranha
Sem identidade
Foi animal de carga e canga.
Eu sou aquele
Que com sangue, suor e lágrimas
Da terra extraiu riquezas
No campo plantou fartura
Para o mundo semeou beleza.
Eu sou aquele
Que foi humilhado, machucado, esquartejado, torturado
Nas fazendas, nos campos, nos pelourinhos, nas cidades.
Eu sou aquele
Que teve sua pele lanhada
Que teve sua pele esfacelada
Eu sou aquele
Que teve o seu gemido, sua dor, o seu protesto
Orgulho de uma raça.
Eu sou aquele
Que samba, que ginga, que joga capoeira.
Eu sou aquele
Que foi Zumbi e Ganga Zumba
Que foi Chico Reio e Candeia.
Filho de Zambi e Oxalá!

Eu sou aquele
Que sonha com a liberdade
Pelo bem da verdade
Eu sou o negro brasileiro
O que foi
O que é
Teimoso.

Dalberto Gomes


Em algum lugar, mágoas de um lugar comum

Estático.
Sombrio.
Perdido.
Solitário.
Sufocado.
Suado.
Acabo de acordar de um enfarte na alma.
Bom dia.
Alguém em algum lugar chora.
Alguém em algum lugar ama.
Alguém em algum lugar sente mágoa.
Alguém em algum lugar sofre.
Alguém em algum lugar morre.
Alguém em algum lugar se sente só.
Eu não conheço a pessoa de algum lugar.
E o algum lugar e a pessoa não me conhecem.
Mas, por aqui sinto a mágoa que chora a sofrida
Lágrima que morre se sentindo só...

Carluxo


Combate

Quando te bater a tristeza
Revide
Pois ela é grande mas é uma só
E andorinha sozinha não faz milagre
Mas milágrimas
Desalegram
Qualquer palhaço

Daniel Soares


toda paixão
é um ataque cardíaco
sem compaixão

Marcelo Nietzsche


De quem é?

Ao botar um filho no mundo não é mais meu o filho,
é de quem ele casar.
Poesia boa é jogada de avanço pra quem quiser pegar...
Mas o poeta é um sujeito ciumento demais
só quePoesia não tem mãe
Poesia não tem pai
A poesia é uma mulher adúltera
é o nunca dos núncaras
é nêspera na esperança de algum algum...
Apropriem-se de meus escritos
Pirateiem minhas poesias
Intervenha que ela é tua!

dudupererê



Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos (1884-1914) nasceu na Paraíba, estudou Direito em Recife e viveu no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Exerceu profissão de advogado, promotor e professor de literatura.
Como poeta, sua obra é de grande originalidade, apresentando uma experiência única na literatura universal: a união do Simbolismo com o cientificismo naturalista. Por isso, dado o caráter sincrético de sua poesia, convém situá-lo entre os pré-modernistas.
Os poemas de seu única livro, Eu (1912), chocam pela agressividade do vocabulário e pela visão dramaticamente angustiante da matéria, da vida e do cosmo. Integram a linguagem termos até então considerados antipoéticos, como escarro, verme, germe, etc. Os temas, igualmente, são inquietantes: a prostituta, as substâncias químicas que compõem o corpo humano, a decrepitude dos cadáveres, os vermes, o sêmen, etc. Tal novidade causou tanta polêmica que, quando soube de sua morte, Olavo Bilac, o poeta de maior prestígio da época, chegou a dizer que não se perdia grande coisa.
Além dessa “camada científica” de sua poesia, verifica-se, por outro lado, a dor de ser dos simbolistas, a poesia dos anseios e angústias existenciais. Para o poeta, não há Deus nem esperança; há apenas a supremacia da ciência. Quanto ao homem, as substâncias e energias do universo que o geraram, compondo a matéria de que ele é feito – carne, sangue, instinto, células – tudo fatalmente se arrasta para a podridão e para a decomposição, para o mal e para o nada.

(adaptado do livro “Literatura Brasileira” de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Atual Editora, 2000)

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


Versos íntimos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

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