terça-feira, 8 de julho de 2008

Impressões sobre o dia 6/07/08

Dia 6/07/08

Mais um domingo de surpreendente sucesso. Sabíamos que muitos dos poetas que costumam freqüentar o POLEM não poderiam comparecer, pois estavam na FLIP. No entanto, vários deles nos prestigiaram, como Sérgio Gerônimo, Flávio Dórea, Suzy Bressoux, Clarice Linden, Mara Araújo e Ruy Gala. A presença de inúmeros parentes dos nossos artistas deu um clima de “aconchego familiar” ao evento, com destaque para o momento em que Eduardo Tornaghi e sua filha leram juntos um poema, além das manifestações ao microfone de Osman Pedro, filho de nossa amiga Patrícia Gouvêa, e da Dona Lourdes, simpática avó dela. O ator Valentim mais uma vez nos deu o brilho de sua interpretação: ouvir Fernando Pessoa em sua voz é um prazer realmente especial. Além disto, nesse domingo ele também nos apresentou poemas de Tinha Barroso. Por falar em Pessoa, o convidado da noite fez-se presente em inúmeros poemas, assinados com seu próprio nome ou de seus heterônimos, como “Autopscicografia” (que abriu a noite), “Poema em linha reta”, “O Monstrengo” , “Mar Português” e até a leitura completa de “Tabacaria”. Houve inclusive uma proposta interessante feita por Eduardo Tornaghi: vários poetas falaram “Autopscicografia”, cada qual a seu modo. Revezaram-se nesta tarefa eu, Valentim e o autor da idéia. Gostaria de dizer também que fiquei muito orgulhoso com a homenagem e muito feliz de ver amigos como Eduardo Tornaghi, Marcelo Mourão, Patrícia Gouvêa e Mara Araújo recitando meus versos. E, para fechar a noite, quando já nos preparávamos para desligar o equipamento de som, uma poeta fez um improviso, brincando com meu poema “Pergunta” Por fim, dois lembretes: nesta terça, nosso amigo Ruy Galla será o convidado especial do Terça ConVerso no Café, organizado pelo grupo Poesia Simplesmente, a partir das 18h30 no Teatro Gláucio Gil (praça Cardeal Arcoverde). A entrada custa R$ 5,00, com meia para idosos e estudantes. E, no próximo domingo, os homenageados de nossa “pelada poética” são os Ratos Di Versos! Protejam seus queijos!

Um árcade moderno (José Henrique Calazans)

Minha musa, tão bela e tão salgada,
(doce não pode: sofro de diabetes)
quero roubar teus beijos, minha amada,
como rouba relógios um pivete.

Vamos fugir da rotina agitada
e das vãs ilusões que ela promete:
seja a Natureza nossa morada,
dando um fim no aluguel do quitinete.

Sob as bênçãos de um céu enfumaçado,
vamos deitar sobre o capim transgênico,
onde as ovelhas pastam sem revezes;

E, no calor, ter o corpo banhado
num lago poluído por arsênico
ou num regato repleto de fezes.

Pergunta (José Henrique Calazans)

Poeta vive de quê?
Com que o poeta paga o pão?
Poeta, o que faz pra comer?
Em que labuta emprega a mão?

Poeta não sabe se segue
se sonha, se sobe,
ou se desce ao chão.

Poeta – é quem morre de vida
e vive – de qualquer ilusão.


Autopsicografia (Fernando Pessoa)
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Poema em linha reta (Álvaro de Campos)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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