quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Impressões dia 10/08/08

Neste domingo, o Poesia no Leme inovou: em vez de homenagearmos um poeta contemporâneo e convidarmos um poeta clássico, nossa pelada poética teve como mote o Dia dos Pais. Nossos jogadores não fugiram da raia e se apresentaram em campo, apesar do tempo um pouco adverso. Aí vai a escalação de alguns dos nossos craques: Eduardo Tornaghi, Antonio Gutman, Marcelo Nietzsche, Louis Alien, Diogo Vancin (o Poeta Ligeiro), Marla Queiroz, Lirozinha, Dudu Pererê, Lucky Luciano, Ricardo Maia, Marcelo Mourão e João João (que chegou depois do apito final apenas para dar um alô pra galera). E não podemos deixar de agradecer à presença da nossa torcida, que não precisa enfrentar fila, pagar ingresso nem passar em catraca e que, ao contrário do que acontece nos gramados oficiais, é sempre convidada a invadir o campo.

Com time desses, não se podia esperar nada menos do que uma exibição de gala. Seguindo o tema de nossa homenagem, foram lembrados vários poemas de Newton Tornaghi, pai de Eduardo, com destaque para a versão de “Menina Doce” feita por Dudu Pererê. Lucky Luciano leu uma interessante reflexão sobre o assunto. Outros que também entraram no clima foram Lirozinha, com um poema em homenagem a seu pai, Marcelo Mourão, com poemas que falavam ao mesmo tempo sobre as delícias de ser pai e as delícias de ser filho, e Ricardo Maia, que, além do já clássico “Eita Pau Pereira” também fez uma ode a seu progenitor. E não poderíamos deixar de destacar a atuação de Bibi e Kalú que, além de recitarem “Boneco” e “Sinto o que eu não sinto”, também fizeram alguns improvisos.

Mas nem só de homenagem aos pais foi feita nossa “pelada poética”. Repetiu-se algo que está se tornando numa tradição dos nossos domingos: um “altinho” de poemas curtos, conduzido por Gutman, Nietzsche e Tornaghi, e aberto para quem mais tiver fome de bola, ou melhor, de poesia. Gutman, aliás, têm mostrado que possui outras facetas poéticas além do humor de seus poemas curtos, tão bem desenvolvido em seu trabalho no Trio Los Três.

Houve também momentos de romantismo comandados pelas damas Marla Queiroz (que, a pedidos, recitou mais uma vez o poema “convite”, entre outros) e Lirozinha, e outros de anti-romantismo total, em que chamou a atenção o poema de Marcelo Mourão, que também recitou “Camaleão”. Também entrou em campo novamente o “ Poema da Buceta Cabeluda”, de Bráulio Tavares, e foi lançado um desafio aos nossos atletas do verso: quem seria capaz de fazer um poema que começasse com “O cacete do meu amado é careca”? (aguardamos respostas!) Depois Eduardo Tornaghi apresentou “Tabacaria” de Fernando Pessoa, o que motivou Luciano a fazer um poema protesto contra as recentes restrições ao uso do cigarro.

Vale lembrar que muitos, apesar de não comparecerem, também deixaram sua homenagem ao dia dos pais em nosso perfil no orkut. Quem quiser, pode dar uma conferida em http://www.orkut.com.br/Scrapbook.aspx?uid=16881373310019007813&pageSize=&na=3&nst=-2&nid=16881373310019007813-1218479436-5867424190230883674 .

E, mais uma vez, fica aqui o abraço do Poesia no Leme àqueles que geralmente são os primeiros a nos ensinar como se chuta uma bola.


Menina doce (Newton Tornaghi)

São lindos fios d’ovos teus cabelos
Teu nariz um caju cristalizado,
Teus olhos dois bombons, dois caramelos,
Teu queixinho um perfeito bom-bocado.

Os teus braços morenos, só de vê-los,
Tem-se a impressão de pão-de-ló tostado,
Tão doces são teus lábios, são tão belos,
Que mais parecem mel açucarado.

E, se te não zangasses, eu diria
Que és, toda inteira, uma confeitaria
De petiscos contendo uma porção.

Foi por isso talvez minha querida
Que, por te olhar dois dias em seguida,
Tu me causaste enorme indigestão!


Boneco (Newton Tornaghi)

Era uma vez um boneco
Que amava uma bonequinha
Ela o chamava: meu nego...
Ele a chamava: neguinha...

Viviam sempre juntinhos
Neste amor simplicidade
E toda vez que o boneco
Ia, um pouquinho, à cidade,
Quando voltava, ela vinha,
A dizer-lhe com carinho:
- Você já voltou, neguinho?
Eu tive tanta saudade...

Mas um dia, uma maldade
Ao boneco alguém contou,
E ele mau, sem dizer nada,
Da boneca se afastou.
Foi depois para a cidade
Perdeu-se no turbilhão
E achou, entre a gente rica,
Um novo amor de ilusão.

Era tudo tão bonito,
Assim, quando começou,
Que, muito tempo, o boneco,
De sua doce neguinha,
Nem ao menos se lembrou.

E um dia, a menina rica,
Cansada de seu brinquedo,
Deu-lhe, à toa, um peteleco.
Para fazer-lhe lembrar
O que ele era... boneco!

Acabrunhado, tristonho,
Este louco sonhador,
Foi buscar um lenitivo
Para a mágoa de seu sonho
Revendo seu velho amor...

De volta, bateu a medo
Onde ainda o esperava
O seu anjo de bondade,

E ao vê-lo, quando ele vinha,
Como outrora, a bonequinha,
Só lhe disse com carinho:
-Você já voltou, neguinho?
Eu tive tanta saudade...

Camaleão (Marcelo Mourão)

posso ser o que eu quiser:
anjo, santo, flor, menina
ser Buda, Talião, Maomé.
posso ser sua mãe
posso virar minha mãe
ser pessoa importante
ou apenas uma qualquer

posso me pôr nu,
andando, deitado ou em pé
voar, flutuar, me transportar
como um facho, um raio
seja pra China, Cochinchina ou Tibet

posso quebrar as regras
infringir todas as leis
caminhar pro abismo
cravar uma adaga no peito
sem que eu precise morrer

posso estar cego, surdo, mudo
ser pedinte, traste e vagabundo
que reviro o mundo da cabeça aos pés
a poesia me permite tudo
e estou pronto pro que der e vier


Esgoto Destampado (Marcelo Mourão)

lágrimas inúteis
banham tua face
tuas dores todas fúteis
do teu show são mera parte
somatório infeliz
poço de inverdades
quem diria que já até quis
encará-la com seriedade

escapei quase por um triz
de desposá-la com toda formalidade
ganharia de brinde uma atriz
e o calor de sua fogueira de vaidades
seria outra burrada a se somar com as que já fiz
minha extensa lista de mancadas
(infeliz contabilidade)

infantil, de moral quase esquálida
a trocentos quilômetros
de ser uma mulher de verdade
arrastada foi a educação que lhe foi dada
ser humano de pouca inteligência
porém de língua ultra-afiada
com certeza dou bem mais valor
a tudo que ponho na minha privada.


Poema da buceta cabeluda (Bráulio Tavares)

A buceta da minha amada
tem pêlos barrocos, lúdicos, profanos.
É faminta
como o polígono-das-secas
e cheia de ritmos
como o recôncavo-baiano.

A buceta da minha amada
é cabeluda
como um tapete persa.
É um buraco-negro
bem no meio do púbis
do Universo.

A buceta da minha amada
é cabeluda,
misteriosa, sonâmbula.
É bela como uma letra grega:
é o alfa-e-ômega dos meus segredos,
é um delta ardente sob os meus dedos
e na minha língua
é lambda.

A buceta da minha amada
é um tesouro
é o Tosão de Ouro
é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda,
em minha mão.

A buceta da minha amada
me aperta dentro, de um tal jeito
que quase me morde;
e só não é mais cabeluda
do que as coisas que ela geme
quando a gente fode.

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