domingo, 6 de julho de 2008

Impressões sobre o dia 29/06/08

“Agora é tanto / que tudo é pouco / para dizer o quanto”. Talvez estes versos do homenageado Luiz Fernando Prôa sejam a melhor definição do que foi o sarau do dia 29. A princípio, as coisas não pareciam animadoras: pegos de surpresa por uma festa junina acontecendo nas proximidades, não sabíamos se seria possível realizar o encontro de poesia. Mas, como artista que se preza tem que saber improvisar, decidimos reverter o quadro a nosso favor e aproveitar para distribuir a filipeta do evento em meio ao público da festa. A perseverança deu resultado e fomos brindados com a presença de inúmeros amigos. A Dupla do Prazer, Cairo e Denizis, tornou a noite ainda mais agradável com sua apresentação sempre especial. Flávio Dórea deleitou-nos com sua já conhecida performance no poema “Da cabeça aos pés”. Tubarão surpreendeu-nos com sua poesia devoradora e sua presença cênica. Vera Sarres, Rui Gala e Glorinha Gaivota venceram a timidez para nos presentear com seus versos. Karla Sabbah mostrou seu talento como cantora e poetisa. Outros amigos, como Sérgio Gerônimo e Suzy Bressoux, também nos brindaram com sua poesia. O ator Valentim Fernandes fez ótima perfomance relembrando-nos a força dos versos de Pessoa. Mara Araújo prestou reverência aos dos homenageados da noite, Cecília Meirelles e Luiz Prôa, recitando alguns de seus textos. Aliás, a presença de ambos, seja em corpo e espírito ou apenas com sua “alma de poeta”, foi um dos grandes motivos do brilho daquela ocasião. Prôa mostrou que não é apenas um bom poeta, mas que também é extremamente querido em nosso meio, seja por sua militância em prol da poesia, seja pelo carinho com que trata seus pares. Alguns passantes também resolveram nos presentear com versos de seus poetas favoritos e reflexões. Marcelo Mourão brindou-nos com a beleza de seus poemas e sua interpretação pessoal de “Enigma”, de Cairo Trindade. Eduardo Tornaghi conduziu o evento com a maestria de sempre. E o palhaço Brasilino Brasileiro (Kdé Saraiva) foi uma atração à parte, interagindo de forma maravilhosa com o público.


De braços abertos (Luiz Prôa)

esse par de braços que estendo
abraça o mundo
enquanto é tempo
sei que cada momento
é tudo o que tenho
e o agora tudo que existe

de braços abertos
me entrego
e abraço os amigos
enquanto os vejo
no recanto seguro
do que amo e sinto
a alma, espaço sem limites

mesmo quando estou triste
e o pranto é tanto
e a dor é toda
não sei como nem quanto
guardo nos braços um abrigo
me curo, me dando

esse é meu gesto
exponho o peito sem medo
sem dúvida, inteiro
e a quem queira
me entrego


Retrato (Cecília Meirelles)
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?


Enigma (Cairo Trindade)

sou este ponto de espanto
no entra-e-sai – no vai-e-vem
metade de mim é quando
a outra metade é quem

parte em mim é desespero
outra parte desencanto
só sei ser múltiplo inteiro
quando eu amo – quando eu canto

tento juntar os pedaços
passos, pessoas, passado
não sei onde estão meus rastros
meu retrato mais exato

entre estes cacos e restos
nem perfil nem biografia
se me perdi nos meus versos
um dia viro poesia


Odete morreu (Tubarão)

Odete morreu
Descanse em paz
Quem comeu, comeu
Não come mais

Ali, no velório
Ao redor da defunta
Me comovi com
Tanta lágrima junta

Todo mundo chorava
Perante aquela desgraça
Morreu Odete
O melhor cu da praça

Na hora do enterro
Odete quase cai no chão
Todo mundo queria
Segurar o caixão

Foi tanto choro
Alguém caiu no soluço
Mas todo mundo aplaudiu
Odete estava de bruço!


Da cabeça aos pés (Flávio Dórea)

preciso dilatar pensamentos
deletar minha alma
de todo e qaulquer tipo de verso
descontaminar meu corpo
de palavras
que entranhadas em minhas veias
me sugam e me secam
feito parasitas
larvas percorrendo cada batimento
compasso escasso de poética
por favor me internem
me internem em saraus
onde eu possa desfrutar
a insanidade contida em metáforas
escandalizar a escrita
desvirginando páginas
de um poeta prestes a parir
um poema imaculado

fruto de um jorro lírico
sem ritmo sem rimas
implodindo na voz de um
homem
que doente
teima
teima
e teima
em não se curar

Um comentário:

POLEM disse...

Adorei seu texto, Calaza !! Vc soube resumir bem a linda festa que tivemos no dia 29/06/2008 !! Foi bárbaro mesmo. POESIA NO LEME veio pra ficar ! Abraços do amigo de sempre

Mourão